sexta-feira, março 12, 2010

Rivotril.

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Naquele dia, era só um dia comum. Quente quinta-feira. Seu marido não estava em casa, trabalhava, bom homem, sustentando a casa com mais que amor, uma devoção sensível e equilibrada. Precisa deixá-la confortável em sua carência sem sufoca-la. Dar forças sem virar escora.
Ela estava de licença. Já dois meses em casa. Medo do mundo. Síndromes em conflito.
Desejava dar ao seu filho uma infância de mãe normal, mas pensar nisso só a deixava pior. Ele parecia uma criança feliz, mesmo com ela.
Ele, três anos, quase quatro. Idade bonita, como todas as outras. Uma mistura perfeita entre os traços do pai, os cabelos da mãe, a personalidade ainda em formação tendia a de guerreiro. Ela os ama. Eles a amam como centro do amor de suas vidas.
Naquele dia seu filho perguntou algumas vezes por que ela nunca saia de casa, sem entender quando ela dizia, porque não posso, perguntou se poderiam ter um cachorro, porque ela ia poder sair para leva-lo para passear. Isso cortou-lhe as pernas. Sentiu-se fraca. Com medo de ser fraca, tomou um remédio para dormir.
Era uma hora da tarde ainda, seu marido chegaria no começo da noite. Ela acordaria e faria uma comida. Mas não queria ser cobrada com tanta ternura.
Tomou. Lembrou-se do vinho que abriu por ocasião da visita de uma prima, 2 dias atrás, azedando na geladeira. Para não estragar, resolveu beber uma taça enquanto via seu filho sentar no quarto com algum brinquedo de montar.
Deitou-se no sofá. Os olhos foram fechando. Foi curtindo o momento em que assiste o mundo em wide screen, os sons ficam lentos e o corpo pesado.
Sentiu o abraço de seu filho sem ter forças para puxa-lo para si, mas sorriu.
Mãe, ele perguntou, é medo? É sim. De que? Dos monstros da rua. Fechou os olhos.
Não demorou muito sentiu-se rodeada de sons de criança correndo e mexendo nos móveis. A voz chamando longe... longe... Mãe! Longe... Olha mãe! Ouviu um barulho de cadeira sendo arrastada. Olha mãinha! Olha! Abriu um pouco os olhos. Viu seu filho e uma cadeira. Fechou. Barulho. Mãe! Abriu. Ele e a cadeira na varanda. Fechou. Mãe! Pode olhar! Abre o olho!
Abriu.
Ele na cadeira, perto da janela, com uma toalhinha vermelha no pescoço.
Olhos pesados, mente confusa.
Não tem mais medo mãe! Eu agora sou um herói!
E ele subiu na janela e pulou. Menino mágico.
Por meio segundo sua consciência voltou. Pulou para ela, não para fora.
Abraçou e acarinhou e chorou com ele nos braços.
A tela de proteção é melhor mãe que ela mesma.

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4 comentários:

Unknown disse...

ai, amiga...

fiquei na tensão.

quero ainda ler aqui alguma coisa bem "english tea" do paul mccartney...
"would care to sit with me, for a cup of english tea?"

miles and miles of english garden...

você escreve muito bem, hijita.

Isabela F. disse...

menina,eu quase infartei aqui,achando que o menino ia pular da janela.
muito bom.


passando por fases dificeis e parecidas,e somos parecidas.

dias bons pra vc.

noitesdependulo disse...

Eu gosto do que vc escreve, já disse. Esse conto está ótimo, vc não consegue não ler até o final. Ele se faz ser lido. Parabéns.

Amanda disse...

Muito bom mesmo!