domingo, dezembro 27, 2009

De Marshon Para Mauld - VII

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De uma mesinha num bistrô, 14 de Julho de 1925

Minha Mauld,

A gente não se via a muito tempo, mas agora que te vi senti algo que preciso te dizer:
Eu fui apaixonado por ti e estou vendo que vou ser pra sempre. Te amo muito, mas muito mesmo e acho que é do tipo de sentimento que parece durar toda a vida.
Não se preocupe, querida, nem se preocupe comigo ou com qualquer ciúme que isso possa causar contra nós, não é sobre isso não.
Não é de paixão de vontade de possuir e te agarrar, não, não! Não te quero como companhia de construção das etapas da minha vida, nem de sexo, nem de carinhos. O que me cativa é tua presença inconstante e agradavel e divertida e um pouco mágica, essa combinação é que me faz sentir assim por tí.
É de gostar de ti como tu és. Gostar de estar perto, gostar da companhia.
É um amor que não passa e que não precisa de continuidade física.
É o que me faz teu amigo independente de retorno, por que é pela mera existência.
É amor que perde a força se chamado de amizade.
Te amo Mauld, talvez como poucas pessoas te amarão, amaram ou amam. Como um amor de familia, só que mais feliz e intenso.
Qualdo chegar em Londres novamente essa carta será tua recepção.
Obrigado pela visita, não sabes o bem que me fizeste.

Seu eterno amigo

J. Marshon.

ps: Agradeça a Hermet, por mim, mostre a ele minhas palavras: "Cuide bem dela como ela cuida de mim e obrigado pela viagem, darei uma retribuição a isso. Ame-a como ela a tí.".

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sábado, dezembro 26, 2009

disse.

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- Ora, ora, ora... o que temos aqui? Dois vermes intrometidos!
- N-não senhor...
- Vocês não são bem vindos. Retirem-se!
- S-s-sim senhor, não queriamos incomodar.
- VocÊs não incomodam, apenas não são bem vindos. Retirem-se! Saiam já! Tirem suas caras imundas do meu terreno! Não quero lembrar de onde eu vim.

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sexta-feira, dezembro 18, 2009

De Marshon Para Mauld - VI

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Numa cadeira sobre a ponte do Sena, 14 de Junho de 1925

Doce Mauld,

Está frio mas estou confortável. Estou dividindo um quarto que não alaga e sem percevejos, ainda em Sevran, com Ivan e Pedro.
Pedro é um brasileiro que domina as artes do amor. Exótico. Se fosse de minha índole essa espécie de prazer provavelmente o teria testado, mas deixo-o a vontade para conseguir seu ganha-pão sem precisar tirar prova que sabe o que faz. Acredito nos pagamentos salvadores que recebe.
Quanto a mim, ando vendendo bem e já até mesmo publiquei três poesias em jornais. Não saí ainda do papel de esmoléu, mas pude comprar material e pintar novamente. Creio conseguir juntar dinheiro até Julho para comprar novas roupas. Estou em frangalhos!
Surpresa: batemos um retrato ao lado do arco, te enviarei quando estiver pronto.
Oh, querida, pelo que me dissestes, caracteriso o que tu sentes de amor.
Amor verdadeiro e puro, apaixonado e crescente, desses que confundem o objeto de amor com de adoração e te levam a querer passar o resto da vida sob o julgo de um sentimento.
Acredite: até um pouco mais que a idade que te encontras, um amor assim é um crime contra tua juventude. Depois dessa idade, um amor assim é um castigo contra o que te sobra dela.
Não ame desse jeito, não derreta teu coração com ilusões de felicidade e companheirismo. O mundo é cão. Vivemos em tempos violentos que podem estourar em bombas nossos tetos por menos que a honra de um estadista.
Volta teus olhos a mesma ,Mauld, e saia desse ciclo vicioso que te encontras, salva essa pobre alma que também está envenenada de . O único amor que devemos cultivar é o de amigos.
Existe o companheirismo, existe a felicidade, existe o sexo, existe a independência.
Salva tua vida Mauld, e a desse coitado, Hermet, o ferreiro.
Será ele também analfabeto com filhos igualmente imundos de ferroaria e porões de teatros?
Tua vida não será feliz sem ele? Sem sofrer? Sem apanhar de mãos bêbadas, ásperas e pesadas quando chegar a noite e te encontrar dormindo? Chega! Não ao amor! Não ao amor!
Venha comigo para Paris, te levarei aos cabarés, passearás comigo entre as putas e te convidarão para ser uma delas. Terás todos os homens aos teus pés e nunca precisarás de um ferreiro para te fazer sentir importante.
Responde-me Mauld, com rapidez e de punho próprio. É momento de privacidade, então não temas se escreves miúdo e lento, quero que tu me responda. Queres vir para cá?
Se não quiserdes vir, saberei que é caso perdido. Alma penada em vida, mas desejar-te-ei toda sorte com o ferreiro.
Mande-me notícias de todos, mande abraços e beijos. Diga a todos que estou bem e que os vinhos daqui nunca me trarão amigos como a água daí me trouxeram.
Amo-os todos. Amo-te mais que a todos.

Já aguardo tua vinda.
J Marshon

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quarta-feira, dezembro 16, 2009

De Marshon Para Mauld - V

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Quarto alagado em Paris, 20 de Março de 1925

Mauld, sua analfabeta,

Pensei ter dito para Christine ler as cartas para ti, mas pediste a Vermond! Conheço a letra e a preguica desse canalha. Tua carta de três linhas só pode ter sido escrita por ele. - Canalha! Fanfarrão! Sinto sua falta também, companheiro - Ao ler agora, certamente está imitando minha voz. Odeio as imitações desse atorzinho de merda.
O que está feito está feito. Vamos ao que interessa:
Todas as pinturas foram vendidas, Mauld! Todas! Mas não consegui guardar um tostão sequer. Não fiquei rico, mas fiquei bêbado como nunca com as putas mais lindas que já ví!
Acordei com dores de cabeça e os pés molhados. Uma chuva esquisita caiu durante toda a noite e alagou essa espelunca pestilenta. Certamente existe desde os tempos da Peste Negra e os percevejos são a milésima geração dos dizimadores de viajantes que passaram por aqui. Deveria ter procurado um lugar melhor como disse na outra carta, mas não consegui.
Agora, sem dinheiro suficiente para voltar, resolvi virar poeta. Gasta-se menos nos materiais e produz-se mais quando se bebe, diferente dos quadros. Paga-se menos, certamente, mas posso vender em grandes quantidades.
Aqui vai um versinho que fiz ainda hoje:

Tira tua boca da minha boca
E daixa-me beijar teus grandes lábios
Gosto de inverter os teus conceitos
Te deixando de costas e de quatro

Sei que não é exatemente teu estilo, mas fará sucesso.
Vou procurar uma água para beber, estou com muita dor de cabeça.
Tentes pedir a Christine para escrever tua resposta, Vermond resumirá tudo novamente em duas linhas, em palavrões.

De seu amigo poeta,
J Marshon

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terça-feira, dezembro 15, 2009



Pur'arte:

Desenho simples. Representa a simplicidade do encontro e da convivência.
São duas florzinhas. Representam a independência e a delicadeza de cada ser que compõem a cena.
A sequencia "Me" e "you", saindo do clichê you and me, remete ao fato de que, nas nossas vidas, primeiro eramos seres que existiam e se supriam, e depois, somente depois de nos encontrarmos o outro surgiu como elemento participativo.
O desenho feito de forma singela é a materialização da leveza e da naturalidade com que surge o amor. Essa forma de existência sem pressão, sendo somente sentimento. Por isso é tão bonito e expressivo. Por que ele representa o Belo e a Emoção.
O conjunto da obra, sem corações ou declarações, é apenas a constatação de uma linda coincidência.
As cores representam muito bem os elementos em questão. O toque sutil das pétalas mostra a proximidade sem alardes, sem exageros. O companheirismo do toque leve somente de quem lembra "estou aqui", o tempo todo, crecendo bem ao lado.

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sexta-feira, dezembro 11, 2009

De Erika Para Geovanna - IV

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Augsburg, 05 de Março 1780

Geovanna,

Os dias já nascem quentes e você ainda não veio. Começo a acreditar que terei de ir buscá-la eu mesma. Demorei até mesmo a responder sua carta, pois acreditei que chegaria a minha casa antes da carta chegar à tua. Mas claro que foi uma bobagem, pois ainda não estamos em tempo de tomar frescas no jardim.
Fui ao concerto do mestre Mozart! Que espetáculo sonoro! Chorei e rí e apertei-lhe a mão ao final. Creio que ele tenha me olhado de modo que tu irias querer arrebentar-lhe os dedos. Não te preocupes, papai foi comigo, claro.
Sobre tua carta, retiro o que disse sobre meu nascimento e acredito que se teu amor depende de mim eu sou então o meu maior presente.
Dos Berggs, lembro-me vagamente de Hutty, acho que não devias trocar tapas e pontapés com esses brutos, apesar de saber o quão forte são teus golpes. Teu pai sempre reclama que não te portas como uma dama e receio que isso crie desconfianças sobre nossa relação.
Mamãe nada me confirma sobre tua chegada, mas disse que é certamente em breve. Vamos! Adiante-se, use seus poderes como me prometeu. Aquece o Sol e acelere as árvores! Trás de volta os passarinhos do calor, não aguento de ansiedade.
Apostaria meus cavalos como ainda não vieste porque tens medo de vir só. Frouxa! Não tem medo de brigar com moleques mas tem medo de uma estradinha molhada! Já te digo então quem deve ser chamada de Sua Alteza... não me chames assim, sabes muito bem que não gosto dessas zombarias.
Anna, já sei! Diz ao tio que quero meu gato persa antes que fique velho e morra! Ou antes que eu case.
Sei que para tí isso não te oprime o coração. Cacilia está com vinte anos e titio sequer toca no assunto. És criada com muita liberdade, uma raposa. Em minha casa não sei o quão modernos são os planos de papai, mas creio que ele pretenda crescer as criações e para isso, bem, você sabe.
Das possibilidades que conheço a menos pior seria o filho do gordo inglês. Ele voltou de Senegal ano passado, quando perderam para a França e já está de partida para o Sul da África! Seria bastante cômodo um marido que nunca está. Só temo ter que me mudar para a Grã-Bretanha. Isso eu não quero, mas creio que mamãe também não permitiria.
Sei que não concordas que eu me deixe casar, mas em algum momento isso terá de acontecer ou haverá desgraça para minha mãe. Petra e Austine são tão pequeninas ainda... sim, e estão bem. O tutor de Francês foi obrigado a dar uns piparotes em Austine. Austine, a astuta. Ela cantava uma canção francesa cheia de ideias revolucionárias que, aposto, foi Anja que ensinou. Ela fala francês e não diz para ninguém.
Não dei-lhe o abraço que mandou, cobras não tem braços e aquela austríaca é uma cobrinha sonsa e cheia de veneno. Só você mesmo para gostar tanto dela. Acho que essa salamandra desconfia de nós duas, mas como gosta de ti nada diz.
Por sinal, a velha bruxa veio me felicitar por não ter nascido 5 anos antes, ou teria de estar amarrada em um corset francês sem fôlego sequer para suspirar.
Falando nisso, traga teus vestidos de festa, quero vê-los. Ficas tão linda de vestidos, deverias usá-los mais! Sei que também preferes quando os visto. Te esperarei com um novíssimo, azul-marinho, de tecido francês, vais gostar, leve, moderno e segura-se armado sem esqueleto.
Estou aprendendo novas musicas no piano, mostrar-te-ei quando estiveres aqui.
Mande-me resposta com a data certa em que virá! Não aguento essa sua lentidão!
Principalmente porque sei que é medo de vir só e isso é tudo que não se espera de você. Seja a Valkíria destemida, que tanto interpretas e pare de bancar a judia pestilenta.
Meu coração de tanto desejo borbulha e tanto borbulha que confunde a angústia da tua ausência com raiva fervorosa.

Salva-me desse sofrimento, raposinha e venha logo.

sua Erika

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De Marshon Para Mauld - III

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Dum quarto alugado, 12 de Março de 1925

Minha insubstituível Mauld,

Mal cheguei e já tenho notícias. Consegui vender quatro das pinturas que trouxe e aluguei um pequeno quarto em Sevran. Foi rápido, pensei que teria que pedir abrigo no Ivan. O lugar é escuro, úmido e creio estar infestado de percevejos, mas amanhã procuro algo melhor.
Vou tomar uma dose enquanto penso em algo interessante; para não mandar só um bilhete.
Pensei em algo que acho que nunca te disse sobre sexo:
Acho uma das melhores coisas da vida. E isso é tão forte que as vezes não intendo não gostarem. É fisico. É como comer. Comer é físico e te dá satisfação física completa quando você come uma comida realmente deliciosa. É uma satisfacão que todo mundo admite: "comer é das melhores coisas da vida". É como sentir um perfume delicioso, hipnotizante, desses que você se entrega para farejar como um animal, encantado. É físico. Seja um perfume exótico ou um cheiro de comida; um único sentido encontra-se totalmente em estado de alerta e isso causa prazer imenso ao espalhar-se pelo sistema corpóreo. Como uma música que vai além dos ouvidos e entra pela corpo, que te movimenta como por cordas místicas invisíveis. Um som que te movimenta por ele mesmo, que a mente desliga todos os outros sentidos porque não são mais que ruidos para o momento em que precisa se focar somente nesse som. É físico. É delicioso. É quase ideológico! Uma ideologia do cérebro: Siga o som. Você entra em transe. É como ver o belo e viajar em sua harmonia ou na deliciosa falta dela. Quando próximos ao belo absoluto apenas a visão se ativa e se foca no que a encanta assumindo o controle do corpo. As imagens ficam nítidas, seja as que entram pelos olhos ou as que se formam no mundo de construções visuais internas. Tudo é silêncio e você é apenas visão. É físico. É o que procuro causar. É como um urro, um grito de dor ou choro. Como um gemido profundo. É expulsão de força. É aliviante. É físico como todos os outros focos do corpo para criar prazer. É assim tão físico o prazer do sexo. Assim como a comida deliciosa tem seu contexto de feitura e ato alimentício, o sexo tem seu contexto no 'com quem', mas não por isso o foco principal deixa de ser físico e, por isso, pessoal e intransferível.
Como no perfume, no som, no sabor, no grito, existe o momento do clímax, de total foco e desconexão. Assim no sexo o clímax deve ser em várias doses, nas várias etapas do desenvolvimento do ato. Nos toques. O sexo é o clímax do tato. O corpo inteiro vira tato em várias ondas de sensações únicas e os corpos, não pensantes, trocando informações puramente táteis que se harmonizam em movimentos, naturalmente, simbioticamente sem esforço, porque não poderia ser diferente. Como o corpo e o perfume, o corpo e a música, o corpo e o sabor, o corpo e o grito. Quando ultrapassa o limite do órgão sensorial e a percepção é corpo, esse é o clímax. No sexo somos o tato-vivo. Uma sensação-viva. Sexo é no corpo todo. Sexo é físico e maravilhoso. É conjunto e é solo. Paladar, olfato, audição,visão, voz e Tato.
Creio que agora alonguei demais a carta. Mande notícias da trupe. Espero voltar rico de Paris.

Deverias estar aqui para conhecermos o Moulin Rouge,
Seu melhor amigo pintor

J. Marshon

PS: Não fiz aquele pedido que me pediu porque não atirei tua moeda na fonte mágica. Precisei comprar cigarros e não trouxe trocados comigo. Se funcionar para ti, atiro moeda minha quando trocar o dinheiro.

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quinta-feira, dezembro 10, 2009

De Geovanna Para Erika - II

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Munich, 02 de Março de 1780

Querida Ericka,

Que felicidade imensa a minha ao acordar com a ama entregando-me sorridente o envelope timbrado da tua casa. Sorridente ela, incontrolavelmente feliz eu. Pulei da cama como somente faço em dias de festa e ordenei que trouxesse mais leite morno para o desjejum. Na verdade, assim como tu fizeste com a boa Anja, mandei Irma para longe para ficar a sós, eu e tua carta.
Oh, minha abelhinha, não sejas ciumenta com os garotos dos Bergg, são uns tolos completos. Papai jamais me casaria com um deles, nem mesmo se eu quizesse. Ele sempre diz: "Riem como cavalos" e "Dentes de ingleses, os dos Bergg". Além do mais, são como irmãos para mim, e muito mais velhos. Nos trocamos aos chutes semana passada, não contei na outra carta porque esqueci, sempre brincamos assim, como bem sabes, mas tenho uma marca roxa na perna esquerda feita pelo Hutty, grande como nunca!
Papai nem o Sr. Bergg sabem dessas brincadeiras, nos proibiriam de nos ver. Sei que o Sr Bergg fala sobre casamento com o papai, mas os garotos e eu só falamos de travessuras e eles me contam nojeiras masculinas que aprendem na escola. Divirto-me com um pouco de inveja das liberdades que têm.
Por sinal, vieram ontem aqui. Mesmo sem haver ainda recebido tua carta, eu contei que todas as aventuras que narro acontecem por tua companhia. Acho que falo tanto de tí, minha pérola, que eles já te amam.
Ah, por favor, nunca repita o que dissestes sobre nascer teu irmão. Hans pode vir a ser um lindo rapaz um dia, direito em seus bons modos e bom marido, mas não te amaria se fosses ele, assim como não o amo sendo ele a si mesmo. Somente quero tua companhia não a dele, portanto, crês em meu amor por tí que depende de tí pois é por tí e para tí e não qualquer outro que seja. E creio que, se fosses tu um homem, não te amaria como homem, pois terias comportamento de homem e jeito de homem e não te chamaria de pérola ou de abelhinha e não terias que conversar comigo e sim com meu pai, e não escreveria cartas cheias de perfumes e lembranças, mas para minha linda irmã, mais velha e primeira a se casar.
Vede, agora és tu a rir e eu a fazer caretas.
Munique está certamente gelada, acredito que mesmo assim teria pulado da janela se soubesse que estavas tão perto de mim, mesmo que de passagem. Deverias ter gritado! Gritado para mim. Gritado ao coche para que parasse. Gritado e chorado para teu pai, pedindo para visitar teu tio professor! Tolinha... Não te acanhes. Sei que teu pai sente-se incomodado de chegar tarde para visitas. Mas que gloriosa noite me teria sido, que surpresa sublime.
Tê-la-ia capturado. Papai teria que mandá-la para casa no dia seguinte, não te deixaria partir numa noite fria para tão longe.
Como estão Austine e Petra? Oh, como está Anja, minha estrangeira predileta? Dê-lhe um abraço, Sua Alteza, não tenha medo, ela não te infectará com seu sangue sem nobreza. Usa tua imaginação abelhinha: teu pai gosta de pessoas mesmo diferentes dele; como eu gosto de você, mesmo sendo igual a mim.
Minha querida, adoraria ouvir o tão falado Mozart contigo, mas não houve tempo, creio que ao receber minha carta, já haverá acontecido o concerto.
Oh, mal posso esperar pelo final desse inverno miserável! Mamãe mandou uma carta para tua mãe, creio que combinando minha estadia em tua casa durante a primavera.
Sabes da surpresa? Não consigo esperar, contarei logo, já que não te quero em suspense: teu tio te manda um pequeno gato persa de presente, estou com ele no colo agora mesmo, enquanto te escrevo. Doravante terás sempre uma lembrança carinhosa de mim.
Corro sim esse tempo, todo dia adianto os ponteiros do relógio dos deuses do frio. Em poucos dias estarei em tua casa.
Sim, não gostaria de falar nisso agora, mas começo a pensar no casamento com Hans como opção, mas, isso não resolveria a tua saída de casa e nossa separação.
Por favor, vamos pensar enquanto podemos, somente em nosso encontro.
Envio-te tantas carícias que até minha chegada ainda as estará recebendo e tantos beijos que o inverno inteiro seria curto para os dar todos.
Mande abraços e beijos para todos e um grande abraço especial para Anja,

Com amor, numa solidão sufocante,

sua Geovanna

PS: Não comente com seu pai sobre o gato, era para ser segredo.

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De Erika Para Geovanna - I

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Augsburg, 27 de Fevereiro 1780

Doce Pêssego,

Não pude me conter e alegria ao ler tua carta. As palavras me chegaram do papel aos ouvidos narradas por tí, como se estivesse ao meu lado.
Fico feliz de saber que está bem e que tua queda da macieira, apesar de dolorida, diverte os convidados nos jantares. Peralta! Exibida também. Enche-me de ciúmes saber que os Bergg competem pela tua mão e te tem toda semana a diverti-los com tuas histórias. Da próxima vez diga que são minhas histórias, pois era comigo que você estava quando aconteceram.
Ainda bem que teu pai não tem pressa em entregar tua mão.
Como queria ter nascido meu próprio irmão e não eu. Pedir-te-ia em casamento e todas as propriedades de Munique passariam à tua família se me fossem pedidas. Ficaríamos somente com a casa do lago e a austríaca que tanto gostas.
Falando nela, pouco antes de cerrar meus aposentos, pedi à Anja, tarefa impossível a essas horas e frio. Pobre mulher, foi buscar-me refresco de nem lembro o quê. Algo tropical, acredita? Dá-me assim tempo de escrever-te sem que me veja enrubescer junto aos movimentos da pena.
Aguardo ansiosa o final da estação que nos distancia... Quero voltar ao lago na primavera para ficarmos juntas novamente, aproveitando os dias de sol e pescando. Sim, aprendi a pescar com o pequeno Hans nesse inverno em pleno Danubio! Será um grande homem das armas este meu irmão, está forte e inteligente, darei a ideia ao papai para que o case contigo, seria parte de mim a casar contigo também. Perdoa-me, sei que não gosta que fale disso.
Querida, sabes que mestre Mozart virá aqui no início da primavera? Venha para Augsburg, por favor! Se tiverdes autorização conseguirei mil cavalos para te buscar! Ou irei eu mesma! Ou mando a austríca trazer-te nas costas! Por favor, estejas aqui para ouvi-lo comigo, soube que são mágicos seus concertos e papai já autorizou-me a ir.
Estive em Munique a menos de uma semana, passei por tua rua, ví tua casa e luz na tua janela, por que não me vistes se não dormias? Senti-me só e um pouco louca, querendo que lesse meus pensamentos e saísse com a cabeça pela janela em plena noite de inverno. Não te rias de mim, sei que está rindo agora.
Se pudesse teria gritado, mas estava a caminho de casa após visita com o tedioso sócio de papai, aquele sr. gordo e inglês.
Geovanna, vamos, me explique se tiverdes suficiente imaginação, por que papai gosta tanto de estrangeiros? Anja, o gordo, Verducci. Creio que em toda Bavaria não haja um só alemão tão colega de imigrantes.
Bem, na carta me disseste algo que me deixou excitada, antes que Anja volte, preciso confessar: também sinto falta de teu corpo nessas noites frias. Imagino que, se na primavera me foi tão reconfortante teu calor, não iria afastar-me por meio segundo de tí e de teus beijos e de teus braços. Sou, portanto tão louca quanto você por assumir por escrito, por favor, lembre-se de atiçar o fogo com esta carta e não te preocupes, não penso em guardar outra lembrança que não o teu cheiro e a memória do teu corpo na ponta dos meus dedos.
Dá-me uma dor imensa pensar que ainda falta tanto para te ver. Pedirei a mamãe para fazer compras em Munique, mas dificilmente iremos com esse tempo.
O inverno era minha estação favorita quando criança. Meus pais ficam em casa a maior parte do tempo e sempre tinha a companhia de meus irmãos. Hoje sinto o inverno como uma maldição que me prende longe de tí, rodeada de crianças barulhentas que não me deixam quieta enquanto imagino teu rosto.
Ando certamente abobalhada. Mamãe me perguntou se estava apaixonada e respondi que não, perguntou então em quê eu pensava tanto, se não em algum rapaz. Não gosto de mentir para ela, disse que em tí, mas claro, como minha prima-irmã e amiga. Creio que ela morreria em desgraça e desgosto se soubesse que te amo. Mandaria-me para a França, ou Espanha!
Oh, querida, corra o tempo para mim, escreva-me de volta. Conte-me mais sobre teus pensamentos.
Manda-me teus beijos pelas palavras pois sei que queres tanto quanto eu.

Com amor e enorme falta,

sua Ericka.

PS: Receio que papai esteja a procura de um noivo para mim.
PS²:Considere casar-se com Hans, ele será um bom marido. Responda-me sobre isso, temo te perder para sempre.
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sábado, dezembro 05, 2009

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Direto daqui
de qualquer lugar

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Escrever é deixar falar o silêncio; o silêncio escrito é entrelinha; entrelinha captada se faz ouvida; não foi escrita; quebra o silêncio.

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