Numa cadeira sobre a ponte do Sena, 14 de Junho de 1925
Doce Mauld,
Está frio mas estou confortável. Estou dividindo um quarto que não alaga e sem percevejos, ainda em Sevran, com Ivan e Pedro.
Pedro é um brasileiro que domina as artes do amor. Exótico. Se fosse de minha índole essa espécie de prazer provavelmente o teria testado, mas deixo-o a vontade para conseguir seu ganha-pão sem precisar tirar prova que sabe o que faz. Acredito nos pagamentos salvadores que recebe.
Quanto a mim, ando vendendo bem e já até mesmo publiquei três poesias em jornais. Não saí ainda do papel de esmoléu, mas pude comprar material e pintar novamente. Creio conseguir juntar dinheiro até Julho para comprar novas roupas. Estou em frangalhos!
Surpresa: batemos um retrato ao lado do arco, te enviarei quando estiver pronto.
Oh, querida, pelo que me dissestes, caracteriso o que tu sentes de amor.
Amor verdadeiro e puro, apaixonado e crescente, desses que confundem o objeto de amor com de adoração e te levam a querer passar o resto da vida sob o julgo de um sentimento.
Acredite: até um pouco mais que a idade que te encontras, um amor assim é um crime contra tua juventude. Depois dessa idade, um amor assim é um castigo contra o que te sobra dela.
Não ame desse jeito, não derreta teu coração com ilusões de felicidade e companheirismo. O mundo é cão. Vivemos em tempos violentos que podem estourar em bombas nossos tetos por menos que a honra de um estadista.
Volta teus olhos a tí mesma ,Mauld, e saia desse ciclo vicioso que te encontras, salva essa pobre alma que também está envenenada de tí. O único amor que devemos cultivar é o de amigos.
Existe o companheirismo, existe a felicidade, existe o sexo, existe a independência.
Salva tua vida Mauld, e a desse coitado, Hermet, o ferreiro.
Será ele também analfabeto com filhos igualmente imundos de ferroaria e porões de teatros?
Tua vida não será feliz sem ele? Sem sofrer? Sem apanhar de mãos bêbadas, ásperas e pesadas quando chegar a noite e te encontrar dormindo? Chega! Não ao amor! Não ao amor!
Venha comigo para Paris, te levarei aos cabarés, passearás comigo entre as putas e te convidarão para ser uma delas. Terás todos os homens aos teus pés e nunca precisarás de um ferreiro para te fazer sentir importante.
Responde-me Mauld, com rapidez e de punho próprio. É momento de privacidade, então não temas se escreves miúdo e lento, quero que tu me responda. Queres vir para cá?
Se não quiserdes vir, saberei que é caso perdido. Alma penada em vida, mas desejar-te-ei toda sorte com o ferreiro.
Mande-me notícias de todos, mande abraços e beijos. Diga a todos que estou bem e que os vinhos daqui nunca me trarão amigos como a água daí me trouxeram.
Amo-os todos. Amo-te mais que a todos.
Já aguardo tua vinda.
J Marshon
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