Doutor,
Algo me faz mal.
Meu nome, minha idade, meu tempo, minha vida, meus quereres, meus prazeres, minha vontade, minha verdade, meus momentos, meus desalentos, meus sucessos, meus fracassos, minhas formas, minhas normas, minhas partes, meu todo, meus impérios, minhas metades, minhas paredes, meu quarto, meu espaço, minha carência, meu acalento, minha falta de talento, minhas perdas, meus ganhos, meus pedaços, minhas peças, minhas moléstias, minhas cartas, minhas falas, meus pensamentos, meus descontentamento, minhas curvas, meu peso, meu sexo, minhas parceiras, minhas costas, minha cadeira, meus dentes, meus sorrisos, minhas risadas, minhas dores, minhas rimas, meus amores.
Sabe o que é que me incomoda?
É meu cabelo ficando branco. É não poder ter sumiço. É a ruga matinal na testa. É esse corte no polegar. Saber da minha morte lenta. É minha falta de sorte. É aquela existência persistente. É minha óbvia decadência. É meu tempo se esgotando. É a sensação que isso não passa. É o medo de ser descoberto. Medo de ser abandonado. É saber não ter futuro. Ter respeito ao passado. É não aceitar ter um dono. É essa falta de grana. A dor nas costas voltando. É não encontrar um fim. É não encontrar um meio. É não ter tido um bom começo. É não ter admitido antes. É ter que viver dividido. É uma porção de coisas na verdade. É uma coisa só simplificada. É querer culpar o outro. Sou eu.
Adolfo Bianco
ps: Preciso de um atestado de uma semana, a começar de hoje, para provar que ainda estou vivo, que apenas não consigo viver.
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