segunda-feira, setembro 24, 2007

National Geografic

Dê “oi” para sua vida.

Levantei-me, como de praxe as 6:30 mas dessa vez não reclamava por ainda estar cedo. Peguei minhas coisas e fui rumo ao que seria o inicio de um ansiado final de semana. Tirando meu melhor amigo, que não pode ir por motivos ainda não esclarecidos, estava com tudo que precisava: transporte, ótima companhia e um destino. Festival de Teatro de Guaramiranga.

Ir de graça para Guaramiranga é como ganhar um ingresso para um parque temático que você adora, com direito a acompanhante, no meu caso, duas. Não sei o que esperava mas foi com certeza muito melhor que isso.

A tão conhecida cidade me aguardava com seus quintais loteados por barraquinhas coloridas dividindo espaço com gatos, coelhos, porquinhos da índia, galinhas e seus pintinhos, patos e outros bichinhos microscópicos mas que estavam lá também. A cidade e seus cachorros de rua, as senhorinhas sem dentes, seus vendedores comunicativos.

Lá é o lugar que te deixa encantado com o ar que te rodeia, o verde, o belo, a natureza. Ali é onde as novas tribos se reúnem para seus rituais de alegria e harmonia, como os antigos antes de aprenderem que civilidade é estar sempre contido (por explodir de alegrias, tristezas, raivas, tédios, ondas criativas e o pouco cuidado com a roupa que se descobrem os marginais). Infelizmente existem tipinhos nojentos entre os “marginais”, mas felizmente existem espíritos livres entre os “comuns”.

Guaramiranga não é um lugar para espíritos selados. Guaramiranga é uma dessas dimensões que se apresentam apenas para aqueles que têm a mesma vibração mágica. E sem modéstia nenhuma, eu tenho.

Existem duas Guaramirangas, a da grã-fina das narinas de cadáver, que lamenta com saudade, que àquela temperatura na Europa todos andam de camiseta e que todo mundo ali esta adorando aproveitar para usar roupa de frio e a dos que chegam por que amam aquela cidade do interior e acampam nos quintais junto com as galinhas, tomam banho gelado em banheiros mistos no quintal, metem-se nos matos e explodem e não se importam em não estar com cara de europeu (novamente: com exceções).

Guaramiranga é uma cidade que assim como todas as cidades ótimas, foi invadida por turistas que querem que a cidade se adapte a eles ao invés de curtir a cidade como ela é. Na serra, ambiente frio e inédito para um praiano fortalezense, muitas flores e ares de boemia, Guará tornou-se um “point” com status cult. A cidadela abriga além de suas belezas naturais de serra os festivais de jazz, de teatro, de vinhos e gastronomia, acho isso motivo o bastante para uma cidade tão pequena virar um ícone pop do turismo cearense.

A imagem oficial de Guaramiranga nesses festivais é sempre a mesma. Pululam nas mesinhas casacos cheios de grã-finas com narinas de cadáver e homens com baba elástica e bovina pendurada no canto da boca, todos fingindo gostar de vinho seco e entender os menus com pratos importados dos restaurantes caríssimos da praça de alimentação (sim, a cidade pequena, juntou seus restaurantes mais caros e fez uma pracinha de alimentação) estando no interior do Ceará e pensando na Europa. Chalés três vezes mais caro e o tal ar europeu. Tudo isso acontece numa área que vai da praça do teatro principal até os carros estacionados, não mais que 500 metros numa rua reta.

A policia esta lá, mas a sensação é que nem precisava. Cordão de isolamento para o transito não passar. Esse cordão de isolamento isola muito mais do que os carros, é o limite que os cidadão, com seus guias de restaurantes e medo do desconhecido respeitam e não passam. É exatamente ali que termina Guaramiranga e começa Guará. É depois da linha preta e amarela na rua que estão as mercearias baratinhas, os bêbados, os poetas e as velhinhas banguelas. Depois das linhas não é mais um estrutura para turistas. Depois da linha é a intimidade da cidade.

Chegam nos ônibus e em carrinhos 1.0, multidões de bermudas, saias indianas, dreads, barbas, violões, camisetas velhas, sorrisos sinceros e abraços de amigos. Com algumas drogas ilícitas e capacidade de ingerir altíssimo teor etílico, fazendo muito barulho esquentados pela cachaça local e pelo vinhos cearenses. Não importa comer no mesmo lugar que o pedreiro da construção ao lado. Ah, não importa pedir para uma senhorinha banguela para usar a cozinha e fazer um almoço caso leve alguma coisa para preparar.

Nessa cidade existem os dois bares mais moderninhos de qualquer cidade do interior: O Bar do Seu Odilon e o Trailer da Tieta. Diz a lenda que a Odilombra, uma cachaça preparada por Seu Odilon, tem em sua composição muito mais que apenas jaca e cana, que seria o chazinho misterioso. É muito boa, não dá ressaca, não passa mal, só 7 reais o litro e ainda tem a foto do Seu Odilon. O trailer da Tieta é um trailerzinho com sinuca na frente, de uma nativa meio louca e impossível de descrever em poucas linhas que toca trance no som do seu barzinho.

Foi além da linha amarela e preta por sinal, numa escola publica, numa peça-aula, no publico estudantes da escola que hospeda o palco e alguns poucos interessados. Um monólogo sobre o Brasil e o brasileiro, sobre quem somos nós nessa cultura perdida. Um monólogo que me deu novos conceitos humanos: grã-fina das narinas de cadáver, homem que baba uma baba elástica e bovina na gravata, o brasileiro: narciso às avessas que cospe na própria imagem. O Brasil: pais que absorve outras cultura, se entrega para que seja colonizado, que rejeita sua própria imagem e tenta fazer, o que, com muita clareza pode compreender-se a expressão: cara de rica.

Impressionada na clareza das idéias da peça, sai lembrando de Paulo Freire, a historia que o oprimido é o único que tem o poder de humanizar mas que para isso é preciso primeiro que se veja como oprimido e não ter em si a sombra de seu opressor. Vejo em Guaramiranga a cara de oprimido desse povo que tenta dizer com arte que é sim um povo, que merece ter voz e cara própria e arte própria. Arte nova, aberta, livre, provocativa e avassaladora como a energia mágica de Guará.

A cidade livre cora as faces pálidas das senhoras e senhores, além da faixa amarela e preta a policia é um susto que não faz mal. Os mais conservadores devem imaginar que toda aquela fumaça, risos, uns um pouco tontos caminhando sozinhos em direção a um acampamento, todo aquele álcool e clima dionizico uma verdadeira depravação.

Mas Guará dos livre pensadores, leva até o conforto do ar condicionado o embaraço de dois homens se beijando e falando de amor no alto de um palco. O publico estava obviamente embaraçado em muitos momentos, rindo por não saber esboçar outras reações.

Inclusive, além da qualidade técnica, as nuances que ali passaram despercebidas para olhos destreinados foram um show a parte de representação de um universo. As apresentações de dublagem é para os travestis como uma vitrine para mostra um talento interpretativo muito valorizado entre eles. A leitura do publico ainda era de esperar um Show de Humor a La Shopping Pizza na primeira apresentação, mas o conhecimento acontece gradualmente, os risos cessaram até as horas que realmente deveriam aparecer. Mas o choque de insinuação sexual e o recado final, no strip-tease às avessas de uma travesti dublando um hino das divas gay, Christina Aguilera – “I`m beautiful, no mater what they say. Words can`t bring me down. So Don`t you bring me down today.”

O desconhecido foi apresentado: faces, movimentos, corpos, emoções e historias que sacudiram com o espectador pai de família heterossexual cristão que baba uma baba elástica e bovina enquanto a vida passa. Mas em Guará não deixa que você vá e volte igual.

A mesma cidade que mostra o novo para os que se acham grandes e sábios, ensina o respeito com os outros e com a natureza para os pequeninos. Na tenda de circo azule amarela, estava fervilhante de pequenos corações empolgadíssimos com os bonequinhos que conversavam com eles do alto do palco. Infelizmente ainda não sei o que aconteceu com a bruxa, pois tive de sair da tenda antes do final do teatrinho para dar tempo de me arrumar e para tentar não ficar surda com os gritos estridentes de um garotinho sentado do meu lado.

Guaramiranga é uma cidade mágica que mexe com a vida em si. Guaramiranga é dar abraços em amigos, é ver quem você não queria e nem se importar. Guará é um ótimo lugar para fazer sexo, dar uns beijinhos sem compromisso, cantar a alegria e espalhar alegria. Se imaginou morando lá? Também faz parte do processo de conhece-la. Ir para Guaramiranga é olhar para sua Vida e falar de amor, é olhar para seu Amor e ver que ele está em sua vida. Guará é o lugar que faz um pouco de você melhorar sempre que vai lá.

Guaramiranga é a cidade de interior que os bares tocam trance e rock e reggae, recebe o forró e me faz até cair no samba. A cabeça do povo de lá é mais evoluída que a de muita gente da capital. Pelo menos os olhares de pré-julgamento são praticamente inexistentes em contraste com o incomodo notório de algumas pessoas pela presença e existência de diferentes. Talvez seja efeito de um chazinho local.

Enfim, guará é um lugar onde os encontros são inevitáveis e os desencontros aproveitáveis, nem que seja para sentir o tal friosinho da serra enrolado na sua toalha favorita ouvido do lado de fora de seu casulo amarelo todo o mundo vivo e alerta.

Qual sua Guaramiranga? A do vinho chileno ou da cachaça local? A da arquitetura européia ou dos quintais com galinhas? Quem é você? Grã-fina de narinas de cadáver de reações pré-fabricadas ou espírito livre expresso e estampado de você mesmo? Você veio pela cidade que tenta te agradar ou pela cidade que te conquistou?

Espero que Guará tenha te feito uma visita em Guaramiranga.

3 comentários:

Anônimo disse...

"Mas em Guará não deixa que você vá e volte igual." =D

Perfeito, perfeito!

Mas ainda prefiro dormir no carro ou pagar um pouco mais caro pra ficar num canto melhor, que as galinhas.

Ainda assim, não tem mistura com aquela high-society de mentira, que a poucos quilômetros, ali em outra cidadezinha pequena chamada Fortaleza, não é nada, nada.

Anônimo disse...

Qual a sua Guaramiranga?? Huahauahau acho que alguém anda vendo 50 por 1! Kkkkkkkk adorei, quem sabe quando eu for pra Fortaleza, dê uma esticadinha até essa cidade né? Que texto enooooooooorme Alyne! Huahauahaa !
Mas lindão!

Anônimo disse...

.


nussssssssssss...

palavras que parecem imagens...
vejo tudo isso em minha mente... e o que penso?? viva guara...
viva guara...
guaramiranga??? nao pow... guara...
sei lah...
;**