terça-feira, outubro 15, 2019

dialogar nem sempre.

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- Queria passar o dia todo contigo hoje.
- Eu tô tossindo muito, quero ficar em casa pra melhorar... acho que tive febre, tô com frio.
- É, tu ta aí doente, aposto que amanhã a gente nem vai sair por que tu vai tá toda doente.
- Amanhã eu ja vou estar melhor se eu descansar hoje.
- Tô entediada, queria sair. Hoje eu planejei ficar o dia todo contigo, mas tu ta aí doente.
- Por que tu não sai um pouco?Liga pra alguém, vai andar de bicicleta, caminhar...
- As vezes eu te detesto.
- Nessas horas você devia ser mais independente e não me culpar tanto pelo que tu não faz. Já tô bem melhor, amanhã eu vou estar 100% porquê fui chata. Se não, amanhã ia ser uho.
- Você que sabe a forma que me trata.
- E como eu fui tratada desde cedo? A chata que atrapalha o teu dia porque não quis sair. Eu que te deixei entediada porque não saí contigo hoje. Pois bem, não tava afim de ficar ouvindo sobre teu tédio enquanto me culpa por estar DO-EN-TE. E tu consegue passar um dia inteiro nessa vibe. Nãã...
- Pois bem, então amanhã vou exercer minha independência como você diz. Vou sair sozinha. Vá descansar de mim, vá!
- Era pra ter tido essa atitude hoje que tô me cuidando. Como te falei, amanhã já estarei 100%. Muito insensível teu humor. E a culpa ainda é minha.
- Da pra percerber que pra você sair sem mim é algo agradável mesmo. Pra mim nem é. Assim tô vendo que devia ser.
- Aonde eu disse isso? Só falei que você passou o dia me culpando pelo teu tédio e eu tô dizendo que você teria outras opções, mas preferia passar o dia entediada e me culpando. Isso não tem nada a ver com preferir ficar só, tem a ver com lidar com situações. Amanhã eu já tô bem, mas pra tí só importa teu hoje.
- Acho que a gente tem que conversar. Acho que num ta dando certo não.
- Tudo por que eu estraguei o plano de passar o dia juntas? Tu não acredita que ficar em casa cura? Tô quase boa. Esperar um dia te leva da vontade de ficar junta para o "Não ta dando certo". Wanna talk, Brigite Jones?
- Foda-se.

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L.Pavla

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Anoiteceu. A cama recebe com carinho quem dela precisa.
Ela diz para sí mesma:
- Vamos deitar... Fechar os olhos, tentar dormir um pouco. Dia longo... Deixar o corpo sentir todo o colchão debaixo dele e fica só assim, só sentindo... Mas faz muito barulho.
Barulho dentro da cabeça. Tenta anular seus pensamentos lembrando de uma música qualquer. O pensamento consciente dá uma mínima pausa. Dá-se um silêncio de milissegundos e começa o tormento do que parece um disco arranhado mental. Ela tenta ficar em silêncio absoluto.
- Nascí em 1982, me lembro dos discos arranhados nas festas de aniversário das minhas irmãs. O disco da Mara sempre enganchava mais que o da Xuxa. Diaxos de memória seletiva mais imbecil! Bela hora de lembrar de músicas ruins para só saber repetir o refrão ininterruptamente. Pensa que não sabe porque não acontece isso pelo menos com uma música que goste. Pensou. Erro.
A voz tagarela volta somada ao som repetitivo e grudento nos seus ouvidos, sem ter como desliga-los, nem som nem voz.
- Ouve só o vento da rua...
Ela respira fundo, grita mentalmente "INSPIRA EXPIRA INSPIRA EXPIRA..." até que se esqueça de repetir o comando e volte o silêncio. Se mexe um pouco. Seu braço não sente nada. Está dormente. Ela sente sono e inquietação.
Lembra-se de uma cena familiar aos 14 anos, com seu primo de 16. "Hoje teria sido melhor aproveitado" pensa. Sente-se exitada e aproveita a oportunidade para que, ao ser suprida a necessidade física, o sono a leve sem maiores demoras.
Começa mas para. Lembra-se que foi na casa da avó, que morrera a dois anos de câncer. Pobre mulher.

o mesmo meu eu

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a gente não pode dar certo. somos parecidos demais. os mesmos defeitos que confesso, você lida com classe e depois deixa em paz.
não parecemos nas qualidades: sou divertido e você sedutor, mas temos essa facilidade de tirar a roupa se fizer calor.
estamos no nível de empate quando se trata de ser casual. também não vemos maldade em brincar com outros corpos, é até natural.
não quero um relacionamento. no lugar de um jantar preferimos beber. o que quero de você está dentro. fazer como sabemos, derreter de prazer.
eu decorei o seu corpo inteiro. seus sabores e seus cheiros. os seus sons, os seus tons, sua pele e teu mar macio de cabelos
sem querer viciei no teu tudo. não importa o que diga, o que faz, o que vê. desde então nos meus sonhos, te amo, mesmo se quando acordo eu odeie você.
se acaso eu te vejo nas ruas, e a primeira vontade é de te possuir. você sabe, é esperta e evita, mas dá seu jeito maligno, traiçoeiro e estranho de retribuir.
é só o teu corpo que eu vejo. só escuto sua respiração. minha boca ainda lembra teu gosto e te sinto pelas minhas mãos.
nos meus sonhos você vem inteira. sorrindo, macia, com aquele olhar. já acordo pensando besteira e sabendo é mais um desses dias que não vou trabalhar.

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